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Intervenção Especializada numa IPSS: uma utopia ou uma realidade?

As respostas sociais como IPSS ou Associações prestam serviços a uma população tendencialmente mais vulnerável do ponto de vista socioeconómico e educacional, consequentemente com menos acesso a serviços. Este tipo de estruturas por vezes denota dificuldade em encontrar serviços de intervenção especializada que vão ao encontro das necessidades da resposta e se coadunem com o orçamento da instituição.

Para muitas instituições é uma utopia prestar um serviço de qualidade a baixo custo. Sendo os serviços de Psicologia, Terapia da Fala, Terapia Ocupacional e Fisioterapia tendencialmente dispendiosos, particularmente se desenvolvidos por um técnico com várias especializações. Levantam-se assim questões de onde reduzir custos para poder prestar serviços de intervenção biopsicossocial com qualidade.

A tendência do aumento da esperança média de vida e consequentemente o aumento das doenças neurodegenerativas prevalentes no envelhecimento, como Doença de Alzheimer, Doença Cerebrovascular ou Doença de Parkinson, enfoca a necessidade de dispor de um conjunto de serviços que trabalhe na prevenção e na estimulação cognitiva. Este enfoque aumenta quando consideramos populações de maior vulnerabilidade, visto que as doenças neurodegenerativas apresentam como fator de risco a baixa qualidade de vida e a dificuldade de acesso a serviços (nomeadamente os serviços de Psicologia / Treino Cognitivo / Consultas Médicas).

A Ativo em Casa, conta com uma equipa de trabalho composta por Psicólogos, Terapeutas da Fala, Terapeutas Ocupacionais e Fisioterapeutas a desenvolver trabalho na área metropolitana de Lisboa junto de clientes particulares e instituições: Centros de Dia e ERPIS, alguns deles com forma jurídica de Associação, IPSS ou Instituições Privadas que acolhem utentes comparticipados pela Santa Casa da Misericórdia e Segurança Social. Somos uma empresa com um valor de serviço/hora elevado comparativamente com serviços de animação sociocultural.

Como resolvemos a questão de prestar um serviço de qualidade competindo com outros serviços com um custo/hora menor?

Em primeiro lugar, é preciso consciencializar os técnicos, quando em intervenção grupal, de que estes não são o centro da intervenção que fazem. Significa, que o foco de intervenção tem de ter dois objetivos principais:

  1. Impulsionar o estabelecimento de relações de suporte entre os participantes, estimulando o diálogo, a partilha e a entreajuda.
  2. Perceber que os participantes passam mais horas do dia fora de sessão do que em sessão, logo temos de preencher o tempo que os participantes estão sem atividades de forma prazerosa e autónoma.

No primeiro objetivo estamos a trabalhar o modelo de intervenção sistémica, potenciando o suporte social, diminuindo o chamado “assistencialismo”. Estamos a permitir o desenvolvimento de laços entre os participantes, que bem vinculados podem ser duradouros e essenciais no apoio perante as adversidades. No segundo objetivo, estamos a trabalhar a noção de propósito de vida porque estamos a identificar o que fazer para ocupar o tempo de ócio com algo que seja envolvente e estimulante. O não ter nada para fazer e estar parado a ver televisão é um dos maiores fatores de risco para o desencadeamento de doenças neurodegenerativas. É por isso que em todas as avaliações de despiste geral que realizamos nas instituições para fomentar o Plano de Desenvolvimento Individual, há sempre a avaliação de interesses individualizada, para que possamos entregar atividades de acordo com os interesses dos participantes.

Quando há contenção de custos em cima da mesa, podemos equacionar a redução de horas de intervenção técnica em prol da qualidade do serviço. Fazendo as contas, compensa imprimir exercícios de papel e mandalas para pintar (estamos a falar de exercícios adequados à pessoa que os vai desenvolver) e comprar linhas, pano e agulhas, ou vasos e sementes, ou até mesmo jogos de tabuleiro e jogos tradicionais, para os participantes desenvolverem atividades de forma autónoma duas tardes por semana, ao invés de pagar a um técnico estas duas tardes por semana para desenvolver com os utentes algo que eles fazem sozinhos. Ao usar o orçamento de 5 tardes por semana em três tardes, estamos a permitir a contratação de um serviço mais especializado, que verdadeiramente potencia o bem-estar, a qualidade de vida e previne o declínio cognitivo. Por vezes o barato sai caro e o caro compensa.

Na linha do pensamento anterior, podemos utilizar o orçamento para investir na formação dos cuidadores informais e integrar nessa formação o desenvolvimento de atividades básicas para desenvolver junto dos utentes, quando não há atividades técnicas a decorrer. Um cuidador informal atento e com formação, pode evitar a evolução de situações mais gravosas. Se pensarmos bem, a contratação de um serviço técnico mais especializado, permite que a pessoa contratada ou outro elemento da equipa especializada, possa dinamizar formações internas.

Outra forma, consiste no estabelecimento de protocolos com instituições que acolhem estagiários. A Ativo em Casa neste ano de 2024/2025 contou com um estagiário do ISPA, uma aluna ávida de conhecimento e de querer aprender a fazer. Através do protocolo que estabelecemos com a Faculdade, conseguimos alocar a aluna em Associações com menos viabilidade para o pagamento de mais que duas horas semanais de sessões, sob a supervisão da Ativo em Casa. Estamos a desenvolver um projeto de Histórias de Vida semanal em duas instituições. Estamos também a desenvolver um projeto intergeracional que já abrangeu 3 instituições (uma ERPI, um Centro Social e uma IPSS). Conseguimos também fazer alguns acompanhamentos individuais a custo zero numa das Associações, com supervisão. É uma forma de pensar fora da caixa na qual ganhamos todos:

  1. A Ativo em Casa ganha porque lhe permite desenvolver projetos diferenciadores há muito “dentro da gaveta” e ouvir a voz de quem se está a formar agora, evoluindo em conjunto;
  2. As Associações beneficiam de um serviço de qualidade a custo zero;
  3. A aluna beneficia de um estágio abrangente, carregado de atividades e de experiências.

O desenvolvimento de projetos e parcerias é fundamental, mas efetivamente dá trabalho e implica muita dedicação e presença de espírito, para o fazer bem-feito. Mas se nós que somos uma empresa pequena conseguimos, acreditamos que outros também o conseguem. Porque no fim de contas, para uma instituição não é a quantidade de trabalhos feitos pelos utentes, expostos nas paredes que conta, é a qualidade dos mesmos, no sentido de expor experiências, momentos significativos e a construção a longo-prazo de projetos repletos de significado para quem os fez de forma autónoma.

Intervenção Especializada numa IPSS

Os cadernos que deixamos para os residentes fazerem no intervalo entre sessões.

Intervenção Especializada numa IPSS

Jogo do Bingo, com crianças numa das Associações que trabalhamos, no âmbito do Projeto Intergeracional.

Intervenção Especializada numa IPSS

Formação interna a equipa.

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