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Porque é importante recorrer a modelos de bem-estar em intervenções para a Demência?

Quando decidi criar a Ativo em Casa, procurei criar algo diferenciador do que se faz em Portugal. Não queria ser mais uma resposta para o sénior e cuidadores com um foco de intervenção nas limitações. Queria ser algo que proporcionasse também bem-estar.

Segui desta forma um caminho diferente de muitos psicólogos: ao invés de ter uma base de intervenção oriunda das Neurociências, com foco numa intervenção cognitiva, sigo um modelo de bem-estar, que privilegia as emoções positivas, a resiliência e, que tem em conta as forças de cada individuo que o ajudam na superação das suas condições de vida.

Fundei uma Ativo em Casa que privilegia potenciar um Envelhecimento Positivo, com consequências no Envelhecimento Ativo, em vez trabalhar só os determinantes do Envelhecimento Ativo.

Toda a intervenção da Ativo em Casa, mesmo quando junto de pessoas com doenças da cognição (com ou sem síndrome demencial, como Doenças de Alzheimer ou pessoas que apresentam um quadro de declínio cognitivo natural da idade), tem como base o modelo multidimensional de bem-estar psicológico desenvolvido e investigado por Carol Ryff. Este modelo indica que o bem-estar de uma pessoa depende de seis fatores psicológicos positivos:

1) Auto-aceitação: avaliação positiva de si mesmo e da sua vida;

2) Crescimento pessoal: sentido de crescimento e desenvolvimento contínuos enquanto pessoas;

3) Propósito na vida: perceção de que se tem uma vida com propósito e significado;

4) Relações positivas com os outros: relações de qualidade;

5) Domínio ambiental: capacidade de gerir eficazmente a vida e o ambiente circundante;

6) Autonomia: sentido de auto-determinação, e de que apesar das limitações é possível desenvolver as tarefas quotidianas.

 

Mas como aplicar este modelo numa intervenção junto de pessoas com síndrome demencial?

Antes de mais, por mais que a base de intervenção seja oriunda da Psicologia Positiva, a Ativo em Casa mune-se de conhecimento e de ferramentas de intervenção provenientes da Neuropsicologia. Necessitamos de avaliar a pessoa em frente para articular o modelo de bem-estar com a condição cognitiva da pessoa. Vejamos por exemplo: É diferente uma intervenção junto de alguém que tem consciência do seu declínio na cognição e de alguém que não tem esta consciência (por exemplo tendencialmente pessoas com possíveis diagnósticos de Doença de Alzheimer não têm consciência do seu estado cognitivo. Enfatizar junto destas pessoas o seu declínio só irá aumentar os seus níveis de ansiedade).

A avaliação da Ativo em Casa insere-se em três campos: a cognição, o estado mental e emocional do cliente e; o seu propósito e significado de vida. Nunca começo uma intervenção sem compreender primeiro a razão de viver da pessoa. Mesmo pessoas com um processo demencial avançado, têm algo que os mantém vivos, algo que lhes traz satisfação à vida.

A integração do modelo de bem-estar nas sessões de treino e estimulação cognitiva serve de linha orientadora no traçar de um plano de intervenção. Este modelo permite-me ter uma visão não só das lacunas como também das competências e forças de quem estou a acompanhar. Por outro lado, define uma abordagem mais construtiva na forma como se reflete as questões trazidas pelo cliente para o contexto de sessão. É por isso que quase todas as sessões da Ativo em Casa são mistas: integram uma vertente de treino cognitivo e, um momento, geralmente no início da sessão, de reflexão sobre questões trazidas para a sessão. Neste momento inicial quando o cliente traz as suas questões e dificuldades, refletimos as mesmas à luz dos fatores Auto-aceitação, Crescimento pessoal e Propósito de vida.

Mesmo em sessões focadas quase exclusivamente em exercícios de treino cognitivo, estes são escolhidos tendo em conta o modelo de bem-estar, pois são focados na identidade da pessoa, com os seus gostos e interesses. Por exemplo tenho uma cliente médica que atualmente encontra-se desorientada no tempo e na pessoa, e acredita que ainda exerce a medicina. Porque não adaptar os exercícios de treino cognitivo a este gosto/conhecimento pela medicina? O mesmo acontece com o cliente militar. Imagine a conversação espontânea potenciadora de emoções positivas que surge daí? O mesmo se aplica a pessoas com consciência do seu défice e que não são capazes de evocar os nomes dos netos e bisnetos. Porque não os exercícios de evocação serem com estes nomes? Já imaginou a felicidade de um bisavô quando olha para a bisneta e consegue dizer o nome dela? Aqui neste exemplo integramos claramente as Relações Positivas.

O domínio ambiental e a autonomia integram-se no modelo de intervenção da Ativo em Casa através da prestação de consultoria e informação sobre as valências de apoio ao sénior e cuidador; também sobre transmissão de informação acerca das doenças da cognição. A Ativo em Casa procura sempre que possível trabalhar equipa com cliente e cuidador na partilha de saber e de conhecimento. São frequentes as formações abertas a cuidadores formais e informais, uma vez que consideramos que a autonomia do cliente pode também depender do conhecimento e estratégias usadas pelo cuidador.

Confirmamos aqui que é possível integrar o bem-estar e o treino cognitivo. Já a Barbara Wilson no livro Memory Rehabilitation indica que não faz sentido trabalhar a cognição da pessoa sem ter em conta os fatores emocionais. O peso das nossas emoções é tal, que o nosso “cérebro emocional” sobrepõe-se inicialmente ao “racional”. Uma pessoa num estado avançado de síndrome demencial, pode esquecer por exemplo o que a levou a ficar ansiosa / feliz mas a emoção que está a sentir perdura à lembrança da causa. Potenciar o bem-estar e emoções positivas é por isso fundamental, principalmente para as pessoas com défice cognitivo acentuado que acarretam geralmente uma carga de angústia. Muitas vezes o tempo de sessão significa uma hora de interrupção de um ciclo de ansiedade, para dar espaço a um ciclo de bem-estar.

 

Agora responda à questão: não é construtivo para o cliente uma intervenção assim?

1 Comentário

  1. Fernanda Tavares

    Dra.tenho acerteza que nasceu vocacionada para este propósito, tal o empenho e entrega em tudo o que faz.Bem-haja.

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